Coubert dizia a seus alunos: “veja se no quadro que você quer pintar, há uma cor ainda mais escura do que esta: indique seu lugar, e passe essa cor com sua espátula ou com o pincel; ela provavelmente não indicará nenhum detalhe em sua escuridão. Em seguida, ataque por gradações os matizes menos intensos, procurando colocá-los em seu lugar, depois as meias-tintas: por fim você só precisará brilhar os claros…” Isso também vale para o pensamento. É preciso começar pelo mais escuro, buscar “o vazio, o negro, o nu”, e chegar progressivamente à luz. (…) É necessário começar por essa noite. Deter-se nela. Enfrentar essa angústia. É por isso que muita gente nunca começa, e fica girando a esmo diante das portas de si mesmo. Falatório e diversão, jogos do sentido e da ilusão, caminhos e descaminhos do mundo e da alma: labirinto. Mas às vezes alguns se fartam. Há dias em que não suportamos mais o falatório. Paramos. Enfim, o silêncio. Enfim a solidão. E a angústia lá está como um grande espelho vazio. Assim, no labririnto, depois de ter corrido por muito tempo, depois de ter atravessado estas milhares de salas, de corredores, depois de ter se perdido em todos aqueles caminhos e descaminhos, em todos aqueles cantos e recantos, em todas aquelas sinuosidades sem fim, de rua sem saída em rua sem saída, de esquiva em esquiva, e sempre as mesmas portas, sempre as mesmas paredes, houve um momento (…) E de repente, a serenidade estranha que dele se apossa. A angústia que se anula no extremo de si mesma. O desespero.
Começar pela angústia, começar pelo desespero: ir de uma ao outro. Descer. No fim de tudo, o silêncio. A tranquilidade do silêncio. A noite que cai aplaca os temores do crepúsculo. Não mais fantasmas: o vazio. Não mais angústia: o silêncio. Não mais perturbação: o repouso. Nada a temer, nada a esperar.
Para que um dia – hoje, quem sabe – , a vida nos seja doce, leve, luminosa e bela, como um sonho de criança feliz perdida na plenitude do céu.
André Comte-Sponville